ENTREVISTA MAIS DE 50 ANOS DE HISTÓRIA POLÍTICA
Fui muito mais crítico do governo de FHC do que sou de Lula"
Jornal do Senado 15 a 21/12/2008Geraldo Sobreira
Pedro Simon (PMDB-RS) completa, em janeiro, 79 anos. Destes, conta mais de 50 na política.
No Senado, já está no quarto mandato – foi eleito senador pela primeira vez em 1978. Seus discursos, que expõem essa vasta experiência, trazem a marca da formação em Direito, da religiosidade (ele é católico franciscano) e da militância pela democracia.
Muitos desses discursos foram reunidos no livro Reflexões para o Brasil do século XXI, lançado em novembro.
A seguir, Simon fala sobre o livro e sobre a proposta de prévias nas eleições para presidente. Também lembra momentos marcantes, como quando leu em Plenário mensagem à mãe do menino João Hélio, assassinado no Rio de Janeiro.
O senhor defende a escolha dos candidatos à Presidência da República em eleições primárias, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos. Como esse processo poderia ser implantado no Brasil?
Pedro Simon – Primeiro, analiso dentro do meu partido. Há dois anos o PMDB teve uma vitória espetacular, elegeu a maioria dos governadores, maioria dos deputados estaduais, federais e maioria dos senadores. Mas, apesar de termos vários nomes dentro do partido, não tivemos candidato à Presidência. O PMDB oficialmente não apoiou nem o Lula nem o candidato do PSDB [Geraldo Alckmin].
O senhor entende que o PMDB deve ter uma candidatura própria?
Não falo em candidatura própria do PMDB, porque posso fazer o jogo do [presidente do PMDB, Michel] Temer e companhia, que assim poderiam dizer que o Simon tem candidatura própria e vão negociar mais cargos, mais ministérios. O comando do PMDB é uma desgraça, não merecíamos isso. Então defendo uma prévia para que o PMDB decida se vai com o PT ou com o PSDB.
Em Plenário, o senhor já propôs uma campanha com debates dos candidatos a candidatos. Como seria?
O PMDB indicaria seu candidato: por exemplo, o governador do Rio, Sérgio Cabral, ou o Jarbas Vasconcelos; o PDT já tem: Cristovam Buarque; o PSB, o Ciro Gomes. Vamos dizer que o PT indique a Dilma [Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil]. A idéia é que esses candidatos percorram o Brasil em debates sobre suas propostas de governo para o Brasil.
Essa é a forma de começar na prática a instituição das primárias no Brasil?
É. O PSDB já encaminhou uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral sobre a realização de prévias para escolher seu candidato, pois eles têm o governador José Serra e o governador Aécio Neves como candidatos à Presidência. O argumento deles é que lá pelas tantas as prévias podem apresentar problemas com a legislação de propaganda eleitoral. Eu sei que não há esse problema porque o PMDB já fez prévias.
Mas qual a diferença entre essa prévia e sua nova proposta?
Uma coisa é a prévia dentro de cada partido, a outra é minha proposta de fazer um grande entendimento fruto desse debate nacional em vez de a cúpula do PMDB decidir se vai apoiar o PT ou o PSDB.
Então o senhor propõe que primeiro cada partido faça prévias para escolher seu candidato e depois os partidos que apóiam o governo decidam em debate nacional quem será o candidato da situação?
Exatamente. Porque agora, depois de participar de cinco eleições, o Lula não pode ser candidato. O PT não tem candidato natural. O Lula está indicando a Dilma, de quem eu gosto muito, uma bela pessoa. Mas ela não é candidata natural. Por isso dentro do PT fala-se em prévia. É muito mais fácil a Dilma sair candidata do PT participando de uma prévia do que sem prévia, pois, na prévia, ela vai ter a chance de mostrar nos debates quem ela é e assim ganhar o apoio da maioria do seu partido.
O senhor é um político independente tanto em relação à cúpula do seu partido quanto em relação aos governos, tendo criticado tanto Lula quanto Fernando Henrique Cardoso. Uma das suas críticas ao governo FHC foi o preço da privatização da Vale (antiga Vale do Rio Doce).
Fui muito mais crítico ao Fernando Henrique do que ao Lula. Eu era líder do [governo] Itamar [Franco] e continuei líder do governo Fernando Henrique no Senado até que ele vetou a criação da CPI das Empreiteiras.
Uma das minhas principais críticas ao governo Fernando Henrique foi quanto ao processo de privatização. A privatização da Vale foi uma doação da empresa pública a um grupo privado. Fernando Henrique vendeu a Vale por menos do que o governador do Rio Grande do Sul, Antônio Brito, vendeu a Companhia de Energia Elétrica do Estado [CEEE]. Essa companhia elétrica era uma das empresas mais endividadas do Brasil. Temos uma ação no Superior Tribunal de Justiça contra a privatização da Vale.
Durante o governo Fernando Henrique, houve um movimento de privatização da Petrobras e do Banco do Brasil?
Mas o Congresso reagiu e Fernando Henrique mandou uma carta aberta ao Congresso se comprometendo a não privatizar a Petrobras e o Banco do Brasil. A carta foi resultado de um acordo para que o Congresso aprovasse a retirada do monopólio estatal do petróleo da Constituição.
E agora como fica a exploração do petróleo do pré-sal?
Não podemos deixar o controle do petróleo do pré-sal com a Petrobras. Essa empresa hoje é uma companhia nacional, mas a maioria das ações, dos donos, é formada por estrangeiros, principalmente americanos. O capital é estrangeiro. Não são eles que decidem, mas são eles que ganham o dinheiro do nosso petróleo. Por isso não podemos deixar o pré-sal com a Petrobras, pois assim vamos enriquecer esses acionistas da Petrobras.
O senhor defende a criação de outra empresa para exploração do pré-sal?
Não. Defendo a criação de uma empresa para o controle do pré-sal e a Petrobras pode ser contratada por essa empresa para exploração, perfuração de poços etc.
Na introdução do seu livro, o senhor fala da história de Mário José Josino, morador de uma favela em São Paulo, que no caminho para casa foi parado por uma blitz policial, espancado e morto em 1997 por um soldado chamado Rambo.
O senhor considera que atualmente a situação é diferente em matéria de violência policial?
Infelizmente essa ainda é a realidade no Brasil. A polícia bater no preso para fazê-lo confessar um crime é fato desde antes da ditadura, embora durante a ditadura tenha piorado. Quando eu estava na faculdade de Direito, nós tínhamos um programa de assistência judiciária gratuita, nós íamos à penitenciária oferecer assistência judiciária aos coitados que não tinham nada para contratar advogado. Então desde aquela época havia isso, quer dizer: democracia, plenitude democrática etc. Então isso não mudou.
Então a tortura na cadeia para pobre continua?
Por isso me revoltei com o escândalo que fizeram porque algemaram o banqueiro Daniel Dantas. A casa quase veio abaixo porque algemaram o banqueiro. O escândalo era só porque ele era banqueiro, rico. Então eu disse: "Mas eu não estou entendendo por que esse escândalo; prisão com algemas acontece todo dia e ninguém se revolta. Por que agora? Só porque ele é rico, banqueiro?"
No seu livro há a "Carta a Rosa Cristina" [mãe do menino João Hélio, morto no Rio de Janeiro].
Como e por que essa carta teve tanta repercussão?
Primeiro porque o número de pessoas vítimas de violência é muito maior do que se imagina: gente que foi assaltada, que perdeu um filho ou que foi torturada.
Os casos como o de João Hélio, que viram notícia, chamam a atenção, mas todo dia alguém é vítima de violência.
Quando se fala na insegurança das cidades, se fala em polícia corrupta ou polícia mal paga, mas em Brasília, por exemplo, temos uma das polícias mais bem pagas do Brasil e há insegurança até no Plano Piloto, onde as pessoas são assaltadas às 8h da noite em frente a um bloco residencial. Como explicar isso?
A corrupção, a bandalheira, existe muitas vezes porque a polícia é mal paga, embora na vida pública brasileira os mais bem pagos são os que roubam mais. Mas a tortura e a violência não têm nada a ver com isso. O pobre coitado que é torturado não entra nem na Justiça. Mas o senhor banqueiro entra com dez habeas corpus, tem 40 advogados etc. O que acho interessante é que no caso de Daniel Dantas trocaram o delegado, trocaram o procurador e continuam a chegar às mesmas conclusões.
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